terça-feira, 2 de novembro de 2010

O pesadelo da matéria sem fim

Um dia eu desisto. Sério, largo notebook, esqueço bloquinho e gravador, e saio andando pelo mundo. Sem meta nem missão. Isso de criar cansa. De verdade. Senti na pele e no corpo um desgaste descomunal após passar exatos 30 dias mastigando uma matéria - era pior do que carne dura, prisão de ventre, visita chata, salário atrasado - não saia por nada no mundo.

Há um mês eu encerrei as entrevistas necessárias pra construir essa matéria. E até então ela não passava de um arquivo do word chamado JINGLE, no meu computador. Sempre que havia uma folguinha eu abria tudo, ficava horas remoendo e zaz: nada ainda. Por vezes desejei ter superpoderes, ou, sei lá, ser mágica e jogar tudo dentro de uma cartola transformando 10 páginas de entrevistas e falas em uma pequena e linda matéria de 1 lauda.

Se meu bloquinho falasse...
 Dez unhas a menos e o saldo de um parágrafo começaram a me aflingir. Já passava de uma hora da manhã de uma sexta-feira qualquer, e eu liguei pra minha mãe aos prantos. Como uma criança desconsolada escuto a voz dela do outro lado da linha dizendo que tudo vai ficar bem. Isso me acalma, desisto por uma noite e enfim, desmaio na cama.

E aí que, estourado todos os prazos estabelecidos, ganho mais uma semana. Conversei com a Sam, nossa orientadora. Menti que a matéria estava pronta, apenas precisando de alguns ajustes. Ela citou algum autor, de algum lugar que dizia "Sabe por que publicamos livros? Para pararmos de reescrevê-los." Pode até ser, porque eu realmente nunca acho que uma matéria minha está pronta até vê-la estampada no jornal. Mas neste caso, eu sequer conseguia começar.

Chego a pensar na possibilidade de derrubar essa matéria, assim, sem dó nem piedade. Estava passando dos limites, ela me consumia dia após dia em uma relação absolutamente doentia. Consigo finalmente um avanço: separo as falas em tópicos e começo a montar aquilo que seria apenas o início de um difícil quebra-cabeça. Nada ainda.

Reservo então um feriado para me ocupar com isso, e somente isso. Sem pressão, sem me preocupar com o relógio. Era inadimissível uma matéria que aparentemente parecia simples representar o peso do mundo que eu sentia agora carregar nas costas. Eu precisava acabar com isso. Rejeitei ligações de amigos, convites para pizza, almoço com a mamãe, briguei com o namorado. Ninguém disse mesmo que seria fácil. 

Eu e Lázaro do Piauí em: "A matéria de um milhão de dias"

No twitter, compartilho a minha dor. Recebo conselhos do professor e amigo Américo. "Converse antes de redigir com o teu editor/a. Ele diz o que espera da matéria e você trabalha menos". Acontece que, neste caso, eu era editora de mim mesmo. E, ao que parecia, o diálogo entre a Luana editora e a Luana chefe não estava funcionando muito bem. Tranquei-me no quarto e não queria mais falar com ninguém, nem comigo.

Parei de lutar e depois de um mês e 24 horas remoendo as entrevistas, constato o óbvio: havia informação demais nisso tudo, era chegada a hora cruel de meter a tesoura. Exclui um personagem, mudei totalmente o foco, e descambei para um tema diferente do que me foi sugerido na reunião de pauta. Algumas entrevistas renderam mais do que o esperado, e era preciso ter jogo de cintura pra não desperdiçar algo que poderia surpreender mais do que a pauta original. Saber lidar com esse tipo de imprevisto, para mim, é o maior desafio de ser jornalsita.

Apaguei tudo. Comecei de novo. E  de repente veio tudo assim, num estalar de dedos, tudo, tudinho: título, subtítulo, começo e fim. Porque se eu não começar a escrever já com uma ideia pro grand'finale, pode esquecer. E foi ai que eu achei uma semelhança entre o sufoco que eu sentia e o trabalho do Lázaro em fazer jingle: tem de haver emoção. 

São quase duas da manhã e eu finalmente terminei. Valeu a pena, o texto tá lindo, embora talvez só eu perceba isso. Tchau angústia, adeus aflição. Mas um dia, anote aí: eu juro que desisto.

Por: Luana Sena
Fotos: Maurício Pokemon

6 comentários:

  1. Minha solidariedade. Torço pro teu time.rs. Gente, orientação científica dá uma tensão. Nem minha mãe ela é, mas eu fico todo acuado quando ela me vem com bronca. O que, vou confessar, acho melhor do que passar a mão na cabeça.

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  2. Quem escreve, com certeza, compartilhou da sua angústia ao ler esse texto. Principalmente na hora de "meter a tesoura". Belo texto!

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  3. Parabéns, Luana, por captar a angústia de se fazer uma boa matéria! E parabéns, Pokemon, por capturar o Lázaro sem chapéu! Vocês vã longe! Abraço!

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  4. Luana, esse texto tá tão bom (toda a dor da escrita) que merecia até entrar na revista.
    Ah! E agora eu descobri q naquele dia a materia nem tava começada, né? Rs. Viu como eu não sou tão carrasca. Eu acredito em vcs. bjs nos três.

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  5. coisa linda de deus é ter a Sam como orientadora, orientando esses outros três. invejinha.

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  6. Luana, fiquei morrendo de curiosidade pra ler a matéria. Manda pra mim...

    Mercedes Rio Lima

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