quinta-feira, 31 de março de 2011

Chico para dançar

Dou duas batidas de leve na porta do camarim e me preparo para uma cara de desgosto ou incômodo. O que escuto, entretanto, é um gentil e sorridente “pode entrar, como é mesmo o seu nome?”. Quem pergunta é Rodrigo Samico, um dos violonistas da banda Seu Chico, de Recife. O grupo, formado por sete integrantes com idades entre 18 e 28 anos veio a Teresina se apresentar na semana Roda Viva, do Artes de Março. O propósito? Fazer o que essa turma faz de melhor: tocar Chico Buarque.

Simpatia e graça no bate-papo

A princípio, me parece muito curioso o fato de um grupo de jovens se interessar por ouvir/tocar músicas do, a meu ver, maior compositor da MPB de todos os tempos. Mas quando entro no camarim, a cena explica tudo: Rodrigo e Vinícius Sarmento estão ao violão tocando alguns acordes de “João e Maria”. Logo Vitor Araújo (o pianista de performance que, logo mais eu descobriria, rouba a cena no palco), se aproxima do grupo e ensaia uma escaleta soprano (vulgo piano de sopro). Bruno Cupim, percubaterista da banda me oferece cerveja, água, aperitivos. Mas eu estava bem, obrigada.

“Se não tiver nenhuma pergunta tiberiana, pode ir começando”, sugere Rodrigo, se referindo à ausência do vocalista Tibério Azul, que tinha ido ao banheiro. Fora Tibério, apenas Bruno Cupim está na Seu Chico desde o primeiro show em 2006, em uma casa noturna de Recife que ficou pequena para quem queria ouvir e dançar os sambas de Chico.

Logo, Vinícius Sarmento (violão), Grilo (pandeiro) e Amendoim (percussão) se juntaram ao resto do grupo para contribuir com novos arranjos e a pegada pernambucana na música. A ideia de tocar o compositor que os encanta extrapolou a idolatria e foi para os palcos e DVD ao vivo – “Tem mais samba”, lançado este ano.
Mais do que ensaiar e fazer shows, os meninos gostam das letras, melodia, harmonia, e dos temas escolhidos por Chico Buarque. O repertório de Seu Chico, como eles mesmos definem, é uma grande colcha de retalhos. Ninguém sabe onde começa e termina a liberdade do outro em inovar com arranjos, ideias, e sugestões para o repertório. “Cada um vai colocando sua individualidade no seu espaço e isso forma um conjunto. É a partir desse princípio que a gente escolhe o repertório”, explica Tibério, com seu jeito de falar cheio de T’s e D’s bem carregados.

“Roda Viva”, “Jorge Maravilha”, “Quem te viu, quem te vê” e “Cotidiano”, é claro, não fazem falta entre as músicas escaladas para o show da noite. “Jorge Maravilha, aliás, não está aqui no set de hoje. Mas a gente vai tocar”, diz Rodrigo, levantando risos da galera. Em seguida, Tibério completa: “Nosso vínculo é muito com a canção. Muita gente pergunta se selecionamos as músicas porque elas são famosas, ou porque é o hit do Chico, mas na verdade não. Até porque o Chico não tem um hit, tem uma dezena!” – “Centena!”, corrige às pressas, Rodrigo.

Tibério Azul e toda sua malemolência

Tibério conta que, na maioria dos lugares por onde passam para fazer show, as pessoas estranham a proposta do grupo em tocar Chico pra dançar. “Acho que não teve um só lugar aonde a gente chegou e a galera “Ah! Chico Buarque pra gente dançar, que massa! Elas sempre se surpreendem no final”, diz o bem-humorado vocalista.

O grupo me conta que o seu Chico de verdade nunca foi a um show deles, mas os convidou para uma partida de futebol em seu campo, no Rio – momento, que é claro, fizeram questão de registrar em imagens que foram parar no DVD da banda. Pergunto qual a opinião dele, Chico Buarque, a respeito da proposta da banda de fazer releituras de suas canções. “Chico é muito tímido, ele fala pouco, nosso papo foi mais sobre futebol”, diz Tibério. “Mas vá, velho, ele deve gostar, porque né, a gente toca as músicas dele!”, fala Rodrigo com toda franqueza do mundo. Todos sorriem. Nada mais natural, né Rodrigo.

No meio do bate-papo, me surge a oportunidade de perguntar sobre Mula Manca &a Fabulosa Figura – banda fundada por Azul e Cupim, pouco antes do projeto paralelo da Seu Chico. Lamentavalmente, eles me informam que a banda está parada – os shows com Seu Chico tem absorvido todo o tempo de todo mundo. “Porém, aquela a lógica da Mula Manca continua, porque a maioria aqui tem um trabalho autoral. Na verdade tem um clima ali que se repete, ele não morre não”, diz Tibério.

Em meio a sorrisos e piadas, quando percebo já estamos em uma mesa redonda, aonde um vai passando meu gravador para quem desejar dá sua opinião sobre música independente, o defasado mercado fonográfico ou, vez por outra, as canções de Chico Buarque, claro. Rodrigo decide assumir a função de repórter e solta o seguinte questionamento: “Tem Chico o cronista, Chico o sambista, Chico o amante... Que Chico nós somos?”. São o Seu Chico, Rodrigo, que na verdade, é de todos nós. 

Por Luana Sena
Fotos: Mauricio Pokemon

terça-feira, 22 de março de 2011

Nada será como antes, amanhã

1972, Minas Gerais. Um grupo de amigos, uma esquina e um violão. Lô Borges tinha 19 anos, se preparava para o vestibular e encontrava os amigos para uma rodada de risos, pinga, músicas e poesia. E foi assim, em meio a uma 'brincadeira', que ele e Milton Nascimento deram vida a um disco batizado de Clube da Esquina - eles, talvez, nem imaginassem ali estar entrando para a história musical de toda uma geração.

Mas não ficou por aí. Os músicos e suas vidas registradas em um disco de vinil não foi nada passageiro. O espírito de uma época, de um bairro, uma esquina, os encontros dos amigos, os sútis protestos à censura, e a pacata vida na capital com ar de campo sintetizados em poesias traduzidas em música deram força e potência para que o grito ecoasse. Junte a isso as inovações harmônicas e rítimicas para a época - pergunte a qualquer bom entendedor de música - hoje mais corriqueiras e frequentes mas que, no entanto, nem todo mundo que se diz 'músico' consegue utilizar com maestria.

O álbum Clube da Esquina nº 1 foi um divisor de águas na música brasileira. 40 anos depois, os músicos ainda colecionam gratificações e o orgulho em ver a obra na lista dos melhores discos brasileiros de todos os tempos e citado em livros como o "1001 discos para ouvir antes de morrer".

Conheci Lô Borges ontem, antes da sua apresentação no Artes de Março. Shopping lotado, pessoas com o LP na mão para conseguir um autógrafo dele - um simpático senhor com juventude pulando dos olhos azuis. Não resisti a perguntar o que ele, integrante de um movimento que influenciou - e continua influenciando - bandas e músicos de todos os cantos, achava dos fenômenos musicais da atualidade. Pareceu uma indagação em busca de manchete em site de fofoca, quando na verdade, para mim, era apenas uma verdadeira preocupação pessoal. Sou tão feliz por ter registros de movimentos como a Tropicália, a Jovem Guarda, a Bossa Nova e o Clube da Esquina no mp3 pra ouvir e redescobri a cada dia, que penso no futuro musical dos meus filhos. Isso mesmo. O que as gerações futuras irão ouvir e contemplar, meu deus? Luan Santana e Restart perpetuarão? Temo.


Lô Borges e a vontade de mudar o mundo

Sabem o que ele respondeu?

"Eu acho que a qualidade da música é que segurou nosso movimento por esses 40 anos. A gente cantava nossas verdades, não era música pra fazer sucesso nem fazer gracinha. A gente fazia música porque acreditava que podia mudar o mundo. Não o mundo inteiro, mas o nosso mundo. (...) Eu sei que acontecem milhões de fenômenos loucos por aí, mas nem tenho opinião a dar. Esses fenômenos sempre aconteceram. Acho que faz parte, o povão gosta disso. Não posso dizer nem que é bom ou ruim – ouvi dizer que não é bom não (risos) – mas eu não posso dar minha opinião sobre uma coisa que eu não conheço".

Ok, Salomão, entendemos o recado. Não se fazem mais esquinas como antigamente.

Por Luana Sena
Foto: Maurício Pokemon

sexta-feira, 18 de março de 2011

Piza, Daniel. 2011

Daniel Piza, pioneiro do caderno dois
Não é difícil perceber sinais claros de ansiedade e nervosismo no ser humano. O embrulho no estômago, coração acelerado, a mão fria e suada. Essas eram minhas caracteristicas físicas antes do encontro com Daniel Piza, jornalista culutral e colunista do Jornal O Estado de São Paulo, e, antes de mais nada, o cara que se dedicou a pesquisar e estudar por anos a história do Jornalismo Cultural no Brasil e publicar um livro que, é claro, andou por muito tempo embaixo do meu braço.

Mas sim, eu estava nervosa, é claro. Não é todo dia que se encontra frente a frente alguém cujos textos deram base pra toda sua pesquisa de conclusão de curso - e mais, que motivou essa equipe a acreditar na sobrevivência de uma revista cultural. Mais do que jornalista, crítico e escritor, o Daniel era pra mim o exemplo clássico e vivo de que viver da Cultura - e para a Cutura - era possível.

No ano passado, na expectativa de concluir o projeto da Caderno Dois, nos empolgamos com a notícia de que ele tinha sido convidado para palestrar sobre o estilo jornalístico com o qual tinhamos escolhido trabalhar, na semana de comunicação na nossa faculdade. Não deu certo, mas o encontro, como alguém profetizou, estava escrito.

E foi nessa sexta, 18 de março, que fomos apresentados ao simpático Daniel. Gentil e inteligente, ele conversou comigo sobre blogs, divulgação de cultura na internet, leis de incentivo a cultura, vale-cultura e até seus livros e trabalhos preferidos.

Mas foi ao falar de Machado de Assis, Eça de Queirós, o show da Shakira e a importância dos cadernos culturais nos jornais brasileiros que Piza nos trouxe a grande verdade sobre o fazer jornalismo cultural: buscar no passado referências que nos ajudem, pelo menos, a dissernir o que nos tempos de hoje é duradouro ou efêmero. E nivelar o conteúdo cultural sempre para cima, levando aos leitores realidade de um universo com o qual não tenham familiaridade e surpreender, por que não?

Sabatinamos Daniel após a palestra, que mostrou não só sua experiência (adquirida em 20 anos de carreira no jornalismo) como a nossa ânsia em aprender e seguir apostando em nossas ideias de fazer diferente. Ter o prazer de contribuir pra história e entender o mundo de uma outra maneira, mesmo que só pelo curto tempo em que durar uma sessão de cinema, a execução de uma música, uma peça de teatro ou a doce leitura de um livro. Muito obrigada, Daniel.


Por Luana Sena
Foto: Maurício Pokemon